O mundo está a acabar e do lodo em que definhamos nascem monstros assustadores para quem tem medo. Os monstros comem medo e ninguém quer perder o que tem. Ter é ser, é viver, é sobreviver, é saber estar no lodo, nessa lama nojenta feita de lixo e óleo e terra ácida e fruta e peixe podre e papel de embrulho e ecrãs partidos onde todos aprendem a respirar e de onde alguns conseguem, à força da força do dinheiro, sair para sentar em ruínas altas e lavar os pés na chuva verde piscina. As mãos não se lavam, seguram o papel-medo. O medo é o que se tem, é o que salva, e temos medo de perder o medo e ninguém quer ser comido. Haja poder de saltar de muro em muro sem molhar o sapato ou a sapatilha no lodo onde todos estão mergulhados e, de longe, comprar mais medo!!! Para que, de mãos abertas, jamais lavadas, voltadas para baixo a pingar luxo, assustem os demais – pobres, sujos, porcos – cujo destino é olhar para o fundo e chafurdar. Saltar nos telhados escorregadios é chegar ao céu!!
E é chegados a esta podridão de mundo vicioso que das memórias antigas da natureza rebentam em fúrias os Deuses silenciados por séculos por semi-homens cheios de pudor do que é belo e eterno. Ainda no silêncio das suas inteligências superiores, esses Deuses amados muito antes da razão, rebentam, congeminam, constroem e rogam pragas para a salvação do mundo. Ó fúrias dos ventos, ó fúrias da terra, das águas e fogo… ó fúrias dos loucos, ó fúrias dos artistas sem papel-medo, cândidos, ridículos, pagãos e outros, que sem a força da coragem tudo enfrentam, venham! Espalhem-se! E acabem com isto tudo através natureza da vossa existência. Existam! Comam tudo! Comam todos! Saibam alimentar-se do medo – até à extinção total.
Os monstros nascem assim, da fome de amor.