ao ouvir poesia descubro o não dito de quem diz
ao dizer, esbardalho-me toda
antigamente, ouvir poesia era muitas vezes para mim um exercício de bondade: as desculpas dos amadores, a vaidade dos profissionais, a incompetência dos autores, a minha timidez, o meu horrível temor. torturavam-me. não conseguia ouvir com tanto barulho que me envolvia o espírito.
mas à medida que eu mais e mais fui dizendo, e me deixei de merdas, de medos, de maquilhagem e figurinos, mais espaço abri para o prazer de ouvir.
hoje é um exercício de adivinhação. uma graça. um encontro secreto. A voz, o corpo, o olhar, os tropeções, os silêncios, tudo me fala de quem diz. adoro. a poesia é um pretexto para estar presente.
este fim-de-semana ouvi mais poesia do que nunca. estive presente. sem falar. eu gostava de cumprir uma atitude social correcta. tomar um copo. dizer que gostei muito. mas como digo à Bárbara Bruno que ela me parecia fogo a moldar palavras vidro, sem eu parecer parva? pelo menos pude também dizer poesia para me dizer sem ter de usar das minhas palavras.
no 4º aniversário das Terças de Poesia Clandestina (TPC) organizadas pelo Vasco Macedo, meu coiso (Lisboa)
(e, ainda, a ouvir n’ “Sonho de um dia na Caverneira – 2018“, organizado pelo Art’Imagem (Maia))