Há uns dez anos, a meio de um espectáculo, tomei uma decisão: “não quero mais isto… se isto é ser actriz, acabou-se!”. Estava sozinha num palco, debaixo de um viaduto de auto-estrada, do lado esquerdo uma estação dos comboios, do lado direito uma rotunda, à minha frente umas 600 crianças e ainda um operador de som a quem eu pagava para me fazer aquele favor (e a que ele queria acrescentar outro tipo de favores) . Sim, eu tive de descer assim, mesmo muito muito mas muito baixo, para saber que nada daquilo era digno. E o mais que eu não conto… Fazer tudo só para provar (me?) que era actriz, quase até à loucura… daquelas de ficar internada!
Daí para a frente, ficou só a poesia e a reconstrução da minha identidade. Continuei a fazer teatro, pontualmente… sempre que houvesse a possibilidade de ser feliz na partilha. Mas os últimos anos foram feitos de poesia, de olho no olho com o público. O teatro para crianças, em que me tinha estreado como actriz, de que eu gostava tanto, e a que tinha dedicado muitos quilómetros de estrada, tinha acabado de vez, para meu grande alívio. Até nunca mais!!!

Entretanto, fui tirando a importância ao “ser actriz”, e cada vez mais fui-me vendo a “ser feliz”. Assim, aprendi a viver cada dia, cada angustia, sem o peso de ter que ser alguma coisa. Ser eu, permitiu-me fazer muito mais coisas… até perder o sentido à pergunta “o que faz?”.

Mas o planeta lá deu as voltas que precisou para chegar ao “nunca mais” e me confrontar com esse papel de actriz a tempo inteiro. O recomeço, para o meu caso, tem de ser: teatro para crianças e itinerância em época de Natal. As coordenadas estão mais a sul, a companhia tem mais astros e eu sou mais eu… com muita alegria; traumas e medos espantalhados há muito!