O teatro, por mais voltas que o mundo dê, lá volta ele. Foge, deita-me a língua de fora, chuta-me nas canelas, vira-me costas e depois… lá volta ele, de cabeça baixa, a pedir perdão e a ser generoso como nunca. Amo-o hoje ainda mais porque, finalmente, sou livre dele. Só me entrego quando me trata bem, quando é verdadeiro, colectivo e amoroso (mas deixo-o ser assustador e pode deitar a língua de fora e pôr-me furiosa e insone sem saber como o apanhar… gosto do jogo da criação!).
Este meu ano de 2018 começou com teatro a trabalhar com crianças e acabou de igual forma, a trabalhar com séniores. Responsável por isso é o Teatro Art’Imagem que me ofereceu um lugar de crescimento e não quis saber dos meus “se’s” e sorrisinhos nervosos de medinho (o meu clássico mais aborrecido!). Liberdade com chave na mão!
Eu gostava de falar sobre esta última Oficina que dirigi e da construção dos espectáculos apresentados (exigiam-se exercícios de teatro, mas sempre conseguimos um pouco mais). Só que deixei passar demasiado tempo para escrever e o meu espírito já está em modo de balanço do ano. Mas a sensação que mais retenho é de que chegou o meu momento da retribuição. Passei 20 anos de teatro a ultrapassar medos, a limpar constrangimentos (ainda tantos para sacudir), a aprender a voar; com ajuda de muita gente que me atirou para a aprendizagem de mim própria. E neste último trabalho do ano, ao dar formação e trabalhar com pessoas mais velhas do que eu, naturalmente com mais mundo (mundos muito próprios, depurados) vi-me no papel de dar, ou melhor, de devolver. Que sensação tão plena de felicidade. Foi mesmo um processo feliz! Eles agradecem-me a sua própria experiência e isso põe-me nas nuvens… lá onde tudo o que faço faz sentido. O que eles parece não entenderem é que eu funciono como um espelho. Sou aquilo que me dão. E o meu maior orgulho foi ver a superação de cada um a par da minha! eheheh!
Trocámos mundos, falámos do passado no presente na memória de três gerações, os homens fizeram de mulheres e as mulheres de homens, discutimos dificuldades (algumas vezes no silêncio… oh! cada vez mais gosto do silêncio! Mas também fizemos barulho!) . Podemos, é só nos permitir-mos. Como as crianças, crescemos. Juntos.

“Tasca Basta”
a partir da obra “O Livro Do Desassossego Posto Em Sossego” de Angelino Santos Silva e vários autores da poesia portuguesa
Adaptação dramatúrgica – Marília Teixeira
Dramaturgia e Direcção – Andreia Macedo
Interpretação – Albano Fernandes, Angelino Santos Silva, Ermelinda Fernandes, Eugénio Rocha, Fernanda Pereira, Laura Lino, Margarida Maria Amado, Margarida Rebelo, Maria de Lurdes Ferreira, Marília Teixeira, Rosalina Santos e as estagiárias Bárbara Querido e Maria Eduarda Seco
Assistência de Encenação – Luísa Castro
Sinopse
Partimos de um retrato narrativo de uma pequena taberna de aldeia nos anos 50, para falarmos do que está lá mas não se vê sem a consciência da História. Em dois breves meses estivemos a levantar o pó da memória que atribui uma patine romântica a um tempo em que a desigualdade de género e as restrições imperavam e a ditadura marcava os gestos de cada um. Voltamos lá atrás, com o espírito e os corpos com que hoje nos expressamos. Descobrimos que somos ainda feitos do que aconteceu e que, afinal, a liberdade é também um desafio. Mas é com ela que revelamos o passado: desafiamo-lo com a liberdade que hoje temos e queremos garantir para o futuro.
Em Janeiro, volto à Quinta da Caverneira do Art’Imagem para a Oficina Teatrinho ao Palco. Crianças!! Vamos ao palco crescer para a vida!
Nota: As fotografias são do André Rabaça (um deles, que pouco quer saber do que bloqueia e só dá espaço para o que avança!).
Outra Nota: não ia falar de ninguém em especial, mas o Zé Lopes é alguém especial no Art’Imagem. Pronto, já me calei.